LAUDATE DEUM É O AGGIONARMENTO DA LAUDATO SI’

Roberto Malvezzi (Gogó)

Não há grandes novidades na Laudate Deum. Ela apenas atualiza a Laudato Si’.

Ela apenas aprofunda a crítica ao paradigma da tecnociência (LD 2 / 21), em razão de que a emissão de CO2 na atmosfera tem aumentado constantemente, mesmo com todas as inovações tecnológicas, como a captura de carbono e com a intensificação das energias solar e eólica (LD 5)

O Papa não camufla a situação grave do planeta, da humanidade e de outras formas de vida. Faz uma leitura correta dos fatos e dos desafios para a humanidade, inclusive das realidades já irreversíveis (LD 6 / 15 /16 / 17))

Faz uma crítica severa às COPs, às políticas globais, mesmo reconhecendo que uma ou outra trouxe uma boa contribuição, mas que elas têm fracassado no objetivo principal de reverter, ou mesmo conter, o aquecimento global (LD 44 / 52)

Por isso, mesmo re-forçando o empenho pessoal em novas práticas ecológicas, acentua que depende das políticas nacionais e globais uma possível amenização das consequência trágicas do Aquecimento Global (LD 59)

Mesmo assim, desafia os cristãos, as religiões, as pessoas de boa vontade a se empenharem no que é possível aqui e agora (LD 61)

Comento esse texto no dia de São Francisco, aqui às margens do Rio São Francisco, no dia que começa o Sínodo sobre Sinodalidade em Roma, quando as manchetes dos meios de comunicação falam da seca do maior rio do mundo, o Amazonas, da morte de seus peixes, de seus botos, do sofrimento da população amazônida que não está encontrando água potável para beber.

Que a Mãe Terra seja mais generosa para conosco do que nós somos para com ela.

Com as bençãos de São Francisco.

SONHOS SINODAIS

Roberto Malvezzi (Gogó)

  1. Uma Igreja despida do Império Romano

A Igreja de Jesus não precisa de Constantino, nem de César. Não precisa da indumentária e símbolos dos príncipes e nobres romanos. Basta a túnica inconsútil de Jesus de Nazaré.

  1. Despida do Patriarcalismo

É preciso que os exegetas e o magistério leiam a bíblia a partir da chave do patriarcalismo, onde as mulheres não tinham vez na vida pública e nem na privada. Na vida de Jesus elas estavam, mas o patriarcalismo eliminou as mulheres da estrutura da Igreja. No século XXI o patriarcalismo precisa ser lançado no cesto do lixo da história, também na Igreja.

  1. Despida do Colonialismo

A missão não pode ser mais conquista ou colonialismo. Não é proselitismo, já disse Papa Francisco. Alguém já disse que o novo nome da Evangelização é “diálogo”. Missão, no século XXI, é essencialmente diálogo e vivência.

  1. Despida do clericalismo

Sonho com a Igreja corpo místico de Cristo, conforme Paulo a desenhou. Então, superaremos a divisão artificial entre clero e laicato, para uma igreja de serviços onde todos são necessários e tem cidadania eclesial no mesmo patamar, mesmo que haja serviços diferentes (1Cor 12-13), afinal, qualquer serviço eclesial só faz sentido se for amoroso.

  1. Comprometida com os injustiçados, empobrecidos e excluídos

O Deus bíblico é essencialmente libertador, desde a Aliança Universal com todas as criaturas (Gen 9,8-17), passando pela Aliança com o Povo de Israel (Ex 24,8), chegando à Aliança Universal em Jesus de Nazaré (Rom 8,19-24). A justiça é pressuposto da autêntica caridade e a única forma de respeitar a dignidade de cada ser humano e de cada criatura (CV 6).

  1. Comprometida com a CASA COMUM

Nossa fé é trinitária. Sempre começamos nossas orações e liturgias em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Tudo que existe é obra de suas mãos, mesmo com tantas tragédias e pecados. Cabe ao ser humano, consciência do Universo, coração do Universo – provavelmente junto com muitos outros seres inteligentes que existem nesse vasto Universo – a tarefa de cuidar e cultivar a criação.

  1. Católica por ser aberta a todos e porque está a serviço de todos e de tudo.

A catolicidade é abertura a todos e todas, não só no acolhimento, mas também em saída, na ida ao encontro de todos e todas e pondo-se a serviço de todos e todas. A Igreja Católica não é uma ilha no meio da humanidade e do Universo.

  1. Em saída, isto é, capaz de sair de si mesma para servir a todos
  2. Mais feminina e macro ecumênica (Sonho de Casaldáliga, e meu, e de muitos)

Jesus é o caminho, mas há muitos caminhos que levam a Jesus. Ele mesmo nos revelou esses caminhos em suas falas: tive fome, sede, fiquei doente…(Mat 25,35-46).Esses são caminhos que nos levam ao Caminho. Outras Igrejas, outras religiões, outros caminhos fora das religiões podem levar ao Deus verdadeiro.

  1. Construindo a fraternidade universal

O ponto de chegada é o Reino de Deus, a fraternidade universal de toda a Criação, de todas as criaturas, o Pleroma. Feliz a Igreja que entender sua tarefa na história. Assim sendo, não perderá o rumo diante das surpresas e adversidades de sua trajetória.

Os paradoxos da transição energética brasileira

Roberto Malvezzi (Gogó)

Os combustíveis fósseis são a causa fundamental do aumento de CO2 na atmosfera, produzindo o efeito estufa. A queima de florestas também emite CO2. O metano, menos presente na atmosfera, porém com mais poder de estufa, é emitido pelos gases da digestão dos animais. Daí a grande contribuição brasileira com seus 210 milhões de cabeças de gado bovino. Ainda mais, o Brasil vai explorar o petróleo na foz do Amazonas em nome da própria transição energética.

Entretanto, para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, é necessário mudar a matriz energética global para fontes que não emitam CO2 na atmosfera. O Brasil, pela intensidade do sol e dos ventos, o Brasil torna-se um dos países mais ricos do mundo nessa transição energética que emita menos CO2. Não quer dizer que sejam limpas totalmente, mas não emitem esse gás, portanto, ataca a causa fundamental das mudanças climáticas.

A região mais rica em sol e ventos do Brasil é o Nordeste. Então, há enormes investimentos em parques eólicos e solares na região. Porém, se não há impacto na atmosfera, há enormes impactos nas comunidades locais, como invasão de território, destruição de topos de morros com seus mananciais, derrubada da Caatinga pelas usinas solares, zumbido das pás de ventos afastando animais e prejudicando pessoas, além do transtorno fundamental da perda de terras e territórios para essas empresas por parte das comunidades tradicionais como os Fundos de Pasto, Quilombolas, Territórios Indígenas e pequenos camponeses difusos pela Caatinga.

O propósito fundamental – além de gerar energia solar e eólica no conjunto do leque de energias brasileiras -, é gerar o Hidrogênio Verde. Esse combustível é simples de entender: o hidrogênio é o elemento mais abundante no Universo, mas na Terra ele sempre está associado a outros elementos. Por exemplo, na molécula de água (H2O), há dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. Para capturar só o hidrogênio da água, é preciso separar os dois átomos de hidrogênio do átomo de oxigênio, por um processo chamado hidrólise. Acontece que para fazer essa separação é preciso muita energia. Então, se a fonte dessa energia for combustível fóssil, continua a emissão de CO2 na atmosfera. Portanto, a fonte de energia para separar os átomos de Hidrogênio Verde tem que ser a solar ou a eólica.

Se a fonte da energia for suja, como o petróleo, e o CO2 for emitido na atmosfera, então esse hidrogênio se chama Hidrogênio Cinza. Se o CO2 for capturado e preso debaixo da terra, então esse hidrogênio se chama Hidrogênio Azul. Se esse hidrogênio vier de fontes limpas, como a solar e a eólica, lhe dão o nome de Hidrogênio Verde.

Esse Hidrogênio Verde pode ser vendido em bombas de gasolina como qualquer combustível e, ao ser queimado, nos dizem os cientistas, se transforma em vapor de água. Portanto, não emite CO2 na atmosfera e nem desequilibra o volume de água do nosso planeta, já que a fonte principal do Hidrogênio Verde seria a água, tendo como energias básicas para sua produção a energia solar e a eólica. O impacto do Hidrogênio Verde nos mananciais de água não está sendo analisado.

Esse combustível seria principalmente para a Europa, que é muito pobre em termos energéticos. Portanto, o Brasil seria uma espécie de “Arábia Saudita” desse tipo de combustível, o que infla os olhos do capital.

Para o Brasil, o futuro seria o carro elétrico, já que, com a abundância de energia solar e eólica, não teríamos problemas para abastecer as baterias desses carros. Tanto é que, na Bahia, já está sendo instalada a primeira fábrica de carros elétricos do Brasil. O impacto da exploração minerária para fabricar essas baterias, principalmente o lítio, também não está sendo discutido.

Enfim, a lógica é perfeita e letal. Não há perguntas sobre a situação das comunidades invadidas por esses empreendimentos, o impacto nas águas do Semiárido, nem se discute se é possível trilhar outros caminhos, como o transporte público, ou menor consumo de energia, ou se essa energia poderia ser produzida de forma descentralizada, a partir das casas do povo e das pequenas e médias usinas nas comunidades rurais. Essas experiências existem e são exitosas. Entretanto, o que há é um novo mercado de combustível em gestação e o capital, que um dia já privatizou a terra e a água, agora já se apropria dos ventos e do sol.

A DÍVIDA DE LULA COM A REVITALIZAÇÃO DO SÃO FRANCISCO

Roberto Malvezzi (Gogó)

“O Belo Chico nasce das lágrimas de uma índia

  Descendo a Depressão Sertaneja

  Contornando as ilhas”

  (Lágrimas de Iati, CD BELO CHICO / Targino, Nilton e Gogó)

À medida que a Transposição do Rio São Francisco foi sendo concluída, um profundo silêncio caiu novamente sobre a situação do grande rio. Afinal, o objetivo principal da obra foi atingido, isto é, destinar cerca de 70% das águas para finalidade de irrigação, cerca de 26% para os centros urbanos e 4% para a população rural difusa.

Hoje, segundo dados oficiais, o chamado Eixo Norte transporta 16,4 m3/s para o Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte e o Eixo Leste 10,00 m3/s para a Paraíba e Pernambuco. É bom lembrar que foram projetados para transportar 127 m3/s no total. Como dizíamos no início das obras, “vão projetar um canhão para matar um mosquito”.

Hoje 98% das obras já estariam concluídas e teriam sido gastos 14 bilhões de reais, quando foi projetado o custo inicial de cinco bilhões de reais. Esse dinheiro é insignificante para um orçamento brasileiro da ordem cinco trilhões de reais para 2023, caso visasse mesmo resolver os problemas básicos das populações mais necessitadas do Semiárido, isto é, a população rural difusa.

Ainda hoje o problema institucional-administrativo da obra apresenta desafios não solucionados. O custo anual para a manutenção da obra para o ano de 2023 está estimado em 274 milhões de reais, mas os Estados receptores ainda não aceitaram assinar os termos de compromisso com o governo federal. Enfim, chegou a hora de alguém pagar a conta.

Estamos atravessando alguns anos de chuvas abundantes no vale do São Francisco, mas a projeção climatológica para os próximos anos é de intensificação do El Niño. Para a região significa ondas maiores de calor, diminuição no regime das chuvas, portanto, período de deplecionamento das águas do São Francisco. É nesses momentos que situação do rio mostra toda sua fragilidade, ou como diz o ditado popular, mostra sua cara. É um ciclo natural, mas que agora se agrava pela situação degradada do São Francisco e pelas mudanças climáticas.

A região Semiárida mudou muito nos últimos anos, pautada pela iniciativa da sociedade civil no Paradigma da Convivência com o Semiárido, tendo a captação da água de chuva em pequenos reservatórios para abastecer as necessidades básicas das famílias como sua prioridade. Várias políticas públicas da era Lula-Dilma também impactaram positivamente a vida das populações. Foram construídas mais de um milhão de cisternas de captação de água de chuva para abastecer cada família no local que ela estiver, além de mais 200 mil replicações de outras tecnologias sociais destinadas à captação da água de chuva para a finalidade de produção agrícola e dessedentação dos animais. Essas iniciativas, também apoiadas pelos governos Lula e Dilma, é que fizeram a diferença para a vida real do povo difuso pelo semiárido, ela que estava como a grande vítima das secas na arte de Luiz Gonzaga, Graciliano Ramos, Cândido Portinari, João Cabral de Melo Neto e tantos outros renomados artistas brasileiros da região Nordeste. Não há mais a fome e a sede de antigamente, já não há migrações intensas para o Sul e Sudeste, já não se fala mais em saques e a mortalidade infantil por fome e sede hoje está em 16 por mil, isto é, muito próxima dos padrões internacionais aceitos pela ONU.

Entretanto, o Estado Brasileiro continua com uma dívida profunda com o rio São Francisco e a população do Semiárido, isto é, a revitalização da bacia do São Francisco nunca veio e, se veio, ninguém consegue ver. Mesmo obras fundamentais de saneamento básico – a moeda de troca oferecida a troco da Transposição à população do São Francisco – continua inconclusa na maior parte dos municípios. Porém, uma profunda revitalização exige uma moratória nas grandes obras, recomposição florestal em toda a bacia, proteção das áreas de recarga dos aquíferos Urucuia e Bambuí, a demarcação dos territórios indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, descomissionamento das barragens de rejeito ao longo do vale, na forma como propõe a Articulação Popular São Francisco Vivo.

No município de Remanso-BA, por exemplo, três adutoras para abastecer 28 comunidades estão inconclusas até hoje, mesmo tendo 95% das obras já concluídas. Abastecer a população ribeirinha do São Francisco era um dos compromissos do governo Lula quando das negociações, fruto do embate com a sociedade civil para evitarmos a Transposição naqueles moldes e aplicar o dinheiro em pequenas e médias adutoras, além de replicar aos milhões as pequenas obras do Paradigma da Convivência com o Semiárido.

Uma nova fronteira que se abre é a batalha pelo reconhecimento dos direitos da natureza, e nesse contexto, pelos direitos do Rio São Francisco. A Articulação Popular São Francisco Vivo começa a pleitear e construir esses direitos.

Sim, avançamos em parte, até mesmo a Transposição cumpre um papel relativo no abastecimento de populações urbanas, mas estamos longe de revitalizar o rio e abastecer de forma mais segura toda a população do Semiárido Brasileiro. Vida que segue, luta que continua.

A fome a sede dos animais.

Roberto Malvezzi (Gogó)

Na longa experiência de vida aqui pelo Semiárido Brasileiro, sertão do Nordeste, sempre em equipe, vimos pessoalmente muita fome, sobretudo na década de 80. Ali, em Campo Alegre de Lourdes, na divisa com Piauí, na chamada seca de 79 a 83, nossos olhos viram a fome, a sede, as migrações, os saques, a mortalidade infantil e adulta, o sofrimento das mulheres para colocar uma lata de lama nos potes. Essa via-sacra era cotidiana e muitas vezes a água contaminada dos barreiros estava a uma légua – 6 km – distante de suas casas. Hoje, com as cisternas, as adutoras de porte pequeno e médio, com todas as políticas públicas, a sede mortal já não é mais um problema chave nesses fenômenos socioambientais macabros como naqueles tempos.

Entretanto, não sai da memória a fome e a sede dos animais. Era desesperador vê-los arrodearem as casas de tarde pedindo água e comida, sobretudo o balido das ovelhas e cabras. Por isso, entendo perfeitamente aqueles que, além de se sensibilizarem com a fome humana, também se preocupam com a fome e a sede dos animais.

Esses dias circulam na internet várias cenas de animais selvagens invadindo as cidades, inclusive onças pintadas e gatos do mato. Quando seus habitats são destruídos, extinguem-se seus espaços de moradia e suas cadeias alimentares. A devastação das matas e florestas impactam diretamente a fome e a sede dos animais.

Porém, a cena mais gritante apareceu no ano passado, quando centenas de jacarés se aglomeravam esquálidos numa lagoa do Pantanal, como que querendo encontrar um último espaço de vida. Essas cenas nos remetem para a ligação umbilical entre o ambiente e a fome. Ambientes preservados sustentam a cadeia alimentar dos animais e saciam a fome humana, se a agricultura for familiar e agroecológica. Porém, devastar para produzir algumas comodities agrícolas como cana, soja e florestas plantadas, não gera alimentos, mas a fome de humanos e dos demais animais.

Nessa Campanha da Fraternidade contra a fome, que vai atravessar esse ano, mas é para sempre, não nos esqueçamos também da fome e da sede dos animais. Na Fraternidade Universal de São Francisco somos todos irmãos. Fratelli Tutti!

OBS: Publicado originalmente em https://universo.paulinas.com.br/conteudo/a-fome-a-sede-dos-animais/96

A energia solar aqui em casa

Roberto Malvezzi (Gogó)
A energia solar no Brasil representa apenas 2% de nossa matriz energética. A eólica avançou mais e ocupa 10%. No geral, as chamadas energias limpas correspondem a 46% de nosso repertório e as ditas sujas 54%. Se as limpas não são totalmente limpas – e não são – ao menos são muito melhores que hidrelétricas – consideradas limpas – que devastam o ambiente e comunidades, melhor ainda que as atômicas que deixam lixo radiativo para as gerações futuras.
Entretanto, o potencial das limpas é quase infinito. Vou dar um exemplo caseiro, como o Fórum de Mudanças Climáticas sonha para todo território brasileiro.
Aqui em casa colocamos 18 placas de energia solar. Nossa conta girava em torno de R$ 700,00 ao mês. Hoje deveríamos estar pagando mais de mil reais mensalmente. Entretanto, a relação mudou totalmente. Hoje nossa conta de luz é de R$ 33,00 (trinta e três reais). O investimento que julgávamos levar quatro anos para pagar, será pago em dois anos. E aqui em casa tudo é elétrico: chuveiros, ar condicionado, máquina de lavar roupa, máquina de lavar louça, forno elétrico, microondas, air fryer, tv, computadores, lâmpada e sei lá mais o que.
Um bom programa de energia solar descentralizada, com incentivos fiscais, beneficiaria a maioria da população brasileira e ajudaria – e muito – na geração de energia para abastecer o sistema total. E se o governo comprasse o excedente ajudaria na renda das famílias mais pobres, substituindo os programas de distribuição de renda. Mas, é claro, isso não pode ser. O modelo capitalista que gerencia nossas energias exige que ela seja centralizada e lucrativa para as empresas. O objetivo é gerar mercado, não abastecer a população e as demandas produtivas.
Ainda mais, nesses dez meses de uso da energia solar, o aplicativo do sistema informa que geramos em casa 7406.3 KWH, que reduzimos a emissão de 7384.1 kg de CO2 na atmosfera, que evitamos queimar 2962.5Kg de carvão e poupamos a derrubada de 407 árvores.
Pela poupança de custos e pela contribuição ao ambiente, parece de bom tamanho.

Tapando a poeira com a peneira.

Roberto Malvezzi (Gogó)

As tempestades de areia têm se tornado cada vez mais constantes no interior de São Paulo. Pior, às vezes elas vem com fuligem da palha da cana queimada ou até mesmo com fogo. Esses dias tivemos as quatro primeiras vítimas humanas desse fenômeno, e com elas cerca de 100 cabeças de vaca. Enfim, vidas humanas e de outros animais já começam a ser sacrificadas no altar da devastação.

Porém, essa não é uma exclusividade do interior paulista. Aqui em Juazeiro da Bahia grande parte da cidade ainda é brindada com fuligem de cana na época da queima da palha, um problema que atravessa anos a fio e até hoje não foi resolvido, mesmo já existindo uma legislação ambiental específica para o assunto.

Colegas da CPT do litoral de Pernambuco dizem que a terra nas lavouras de cana, secularmente ocupada, só serve para segurar a cana em pé. Há muito tempo os solos estão esgotados e a produtividade hoje em dia é muito baixa. Esse é o destino de todo solo destinado às monoculturas, quaisquer que sejam elas.

Para completar, a pulverização aérea, mesmo com uma legislação restringente, pulveriza cana, mananciais, animais, famílias e franjas das cidades onde estão os canaviais, principalmente. Mas, pode ser estendida a qualquer monocultura, que sempre pressupõe grandes extensões de terras, remoção das comunidades, supressão total da vegetação e biodiversidade nativas, desnudamento dos solos e, portanto, agrotóxicos para depois tentar controlar o que eles chamam de praga, na verdade resultado do desequilíbrio ecológico provocado.

Mas, o que acontece no interior de São Paulo é mais grave e mais profundo. Ali, a supressão do Cerrado está criando aos poucos o deserto já previsto pelos cientistas do clima, isto é, com a eliminação da Amazônia e de seus rios voadores, com a supressão do Cerrado que guarda essas águas originadas pelos rios voadores, a desertificação da região é só questão de tempo. Os estudiosos nos mostram que todas as áreas do globo terrestre, nessa latitude, são desertos, como o Atacama no Chile, o deserto da Namíbia na África, o deserto australiano na Austrália. Apenas os rios voadores da Amazônia podem explicar que chova no interior das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. Portanto, sem Amazônia toda essa região também será desértica.

As tempestades de areia já são uma realidade definitiva. Não têm mais retorno. Cada vez mais o calor será infernal, a poeira devorando as cidades, a falta de água será constante, problema que antes era uma exclusividade da região Semiárida. A região vai colher o que o agronegócio plantou.

Aí entra o problema. Observo nos jornais das TVs o anúncio das tempestades de areia. Especialistas explicando os fenômenos sob encomenda. Nenhum deles, em nenhum jornal, falou abertamente que estamos colhendo o resultado de 50 ou 60 anos de desmatamento do Cerrado da região. O tema é tabu, é intocável. São explicações fáceis da “poeira acumulada” pela falta de chuva. Que interessante!

É assim, tapando a poeira com a peneira, que vamos transformando o Brasil num imenso canavial ou outra monocultura, posteriormente num deserto, já que aqueles que mandam no Brasil decidiram que assim será. 

O pão que Bolsonaro amassou

Roberto Malvezzi (Gogó)

As Pastorais do Campo sabem muito bem por qual razão o governo federal colocou um jagunço armado em homenagem ao Dia do Agricultor. Porque é assim que o agronegócio trata quem lhe atravessa pela frente, seja posseiro, quilombola, índio ou pequeno agricultor. Nossas estatísticas de assassinatos e conflitos no campo, registrados desde 1985, são também um retrato da violência contra o povo do campo por quem é pop, tech e fogo.

Informações atuais dizem que o agronegócio brasileiro produz comida suficiente para alimentar 1,6 bilhão de pessoas no mundo. Os números são um espanto!

Entretanto, outras informações nos dizem que o Brasil atual tem 110 milhões de pessoas em insegurança alimentar, isto é, não sabem se comem a cada dia e não têm garantia de ter os nutrientes necessários para alimentar uma pessoa. Pior, 26 milhões estariam na miséria absoluta, situação de fome.

Esse é o Brasil dos ufanistas e esse é o Brasil real. Facilmente se esconde a realidade trágica de milhões de famílias atrás de estatísticas e números, mesmo que outros números digam exatamente o contrário do que alardeiam.

Matérias de jornal dizem que o povo faz filas para comprar um osso no Mato Grosso, onde existem dez cabeças de vaca para cada ser humano. Mas, que nada, não existe paradoxo e estamos felizes nessa ilha de prosperidade chamada Brasil.

Fui ver o IDH de Cuba comparado ao Brasil. Pois bem, a ilha tem um Índice de Desenvolvimento Humano (0,783 em 2019) superior ao do Brasil (0,765 em 2019). E o IDH é um índice formulado pela ONU. Até a Renda per Capita de Cuba, pasmem, é superior à Brasileira: 8.821,82 USD (2018) de Cuba e a do Brasil 8.717,19 USD (2019). O problema é que lá essa renda é melhor distribuída e no Brasil ela é concentrada.

Então, a tal ilha comunista, pobre, que dizem miserável, tem educação, longevidade e renda per capta superior a essa maravilha capitalista chamada Brasil. Uruguai, Argentina e Chile também estão melhores que o Brasil em seu IDH.

O fato é que a fome voltou ao Brasil com a voracidade de séculos passados, para desespero de Dom Hélder Câmara, Betinho, Josué de Castro e nosso também.

Estamos comendo o pão que Bolsonaro amassou e não amassou sozinho.

Quando a paróquia vira um inferno!

Roberto Malvezzi (Gogó)

Um dos demônios alimentados pelos fundamentalistas religiosos é que nos países comunistas não há liberdade religiosa. Lá seriam proibidas missas, celebrações, procissões, assim por diante. Aqui, no Brasil, muito pelo contrário, a liberdade religiosa é total e completa.

Talvez, se fôssemos perguntar aos terreiros de candomblé e outras expressões religiosas de origem africana, eles nos diriam que nem sempre têm liberdade religiosa. Antigamente a Igreja Católica se sentia no direito de perseguir os cultos afros no Brasil, até pichados como coisas do demônio. Na verdade, foi um comunista chamado Jorge Amado que introduziu na Constituição Brasileira de 1946 a liberdade religiosa para os cultos afros. Hoje, muitos pastores e igrejas evangélicas se sentem no direito de perseguir os cultos afros.

O mesmo com os povos indígenas. Como me dizia um jovem indígena num dos preparativos do Sínodo para a Amazônia: “o pastor vai lá na tribo, a gente o acolhe bem, ele diz que nossa religião é coisa do demônio. A gente escuta, quando ele vai embora, a gente faz os nossos ritos”.

Mas, alguma coisa de pior está acontecendo. A Paróquia da Paz, em Fortaleza, está sendo invadida por “católicos” durante as celebrações, que se sentem no direito de berrar, atacar o padre, criar confusão e divisão durante a própria celebração da Eucaristia. Não são os perseguidores dos cultos afros e nem dos índios, são católicos, os que se julgam verdadeiros intérpretes do Evangelho e da doutrina da Igreja Católica. Não são comunistas, muito ao contrário, são militares, defensores da pátria, da família, dos “Deus acima de todos”, inclusive da liberdade religiosa. Enfim, são os bolsonaristas, os fascistas de estilo brasileiro.

Assim será se permitirmos que se instale no Brasil uma ditadura religiosa, uma teocracia, sempre a pior de todas as ditaduras, porque feitas em nome de Deus, ou o tal do “cristofascismo”. Sei lá o que quer dizer “terrivelmente evangélico”, ou “terrivelmente católico”, o certo é que que estas pessoas se sentem no direito de infernizar a vida dos outros, de ofender o Papa Francisco, ofender padres, bispos e leigos que tem um mínimo de fidelidade ao Evangelho. Enfim, querem impor suas ideias religiosas ao resto do país na estupidez e brutalidade.

Ou esse país acorda, ou até nossas paróquias e comunidades vão se tornar um inferno.

Toda solidariedade aos padres Lino, Ermanno e Luís Sartorel, italianos no Brasil, nossos amigos desde a década de 80, que saíram do conforto do primeiro mundo para estar a serviço dos setores mais descartados da sociedade brasileira.

O que o período Bolsonaro pode nos ensinar?

Roberto Malvezzi (Gogó)

Em primeiro, um alerta aos ingênuos e mal-intencionados: quem muito fala de corrupção pode ser tão ou mais corrupto que aqueles que denuncia. Falamos de corrupção no sentido amplo, “cor ruptum”, coração rompido. Prestem atenção em Moro, Dallagnol e Bolsonaro.

Segundo, a pior das democracias sempre é melhor que qualquer ditadura. Se a ilusão com as ditaduras for derrotada nesse momento, será um grande saldo positivo dessa tragédia.

Terceiro, boa parte dos militares que foi ao poder logo mostrou toda sua ganância por propinas e corrupção. Que se acabe de uma vez por todas o mito que militar é sinônimo de incorruptibilidade. Bolsonaro é o ícone maior dessa ilusão.

Quarto, todas as vezes que os militares saíram de sua tarefa constitucional e foram para a política, foi uma tragédia nacional. Dessa vez não foi diferente. No poder político, muitos se mostraram eticamente falhos, politicamente comprometidos com ditaduras, e tecnicamente uma lástima, como é o caso do especialista em logística. Quem sabe dessa vez os militares aprendam que não têm que se meter em política.

Quinto, a elite só é contra a corrupção dos pobres, não contra a própria. Em outras palavras, a corrupção também é propriedade privada das elites. Aqueles que querem mudar esse país também devem aprender essa lição.

Sexto, a destruição do Estado Brasileiro é, na verdade, um ataque aos bens comuns, é a destruição de uma legislação que garante direitos básicos à população e a proteção do ambiente. A elite nunca erra seu voto e sempre promove a luta de sua classe, sempre protege seus interesses, por mais mesquinhos e nefastos que sejam.

Sétimo, dessa vez não conseguiram corromper e cooptar todas as instituições brasileiras de peso. A Lava-Jato mexeu nos brios do Supremo, alguns que pediram ditadura e tortura foram presos, espalhadores de fake News andam bem menos aguerridos. Como já se dizia antes, fascista só é corajoso enquanto está protegido. Depois, todos são covardes.

Oitavo, a religião pode ser manipulada para qualquer lado. Esses pastores, padres, bispos, leigos, defensores da família, dos bons costumes, da pátria, são o exemplo da religião cooptada e servil aos interesses dos poderosos e de seus chefes. A crítica das religiões como ópio do povo deve ser retomada, aprofundada e popularizada. Louvemos todos os setores eclesiais que ajudaram a fazer essa resistência positiva contra o pior governo de nossa história.

Nono, estamos sendo salvos pelas vacinas. Infelizmente, famílias como a minha, mais de 500 mil, perderam seus entes queridos para o Covid19, graças a uma campanha sistemática de descredibilização das vacinas, da ciência e a corrupção na compra das vacinas. Os fundamentalistas, tanto os religiosos como os do mercado, têm que ser combatidos permanentemente.

Décimo, enfim, estamos do lado certo da história. Com todos aqueles que resistiram a essa tragédia, sairemos desse pesadelo mais pobres, mais machucados, mais mortos, porém, com a consciência limpa que não temos as mãos mergulhadas nesse mar de sangue.