LAUDATE DEUM É O AGGIONARMENTO DA LAUDATO SI’

Roberto Malvezzi (Gogó)

Não há grandes novidades na Laudate Deum. Ela apenas atualiza a Laudato Si’.

Ela apenas aprofunda a crítica ao paradigma da tecnociência (LD 2 / 21), em razão de que a emissão de CO2 na atmosfera tem aumentado constantemente, mesmo com todas as inovações tecnológicas, como a captura de carbono e com a intensificação das energias solar e eólica (LD 5)

O Papa não camufla a situação grave do planeta, da humanidade e de outras formas de vida. Faz uma leitura correta dos fatos e dos desafios para a humanidade, inclusive das realidades já irreversíveis (LD 6 / 15 /16 / 17))

Faz uma crítica severa às COPs, às políticas globais, mesmo reconhecendo que uma ou outra trouxe uma boa contribuição, mas que elas têm fracassado no objetivo principal de reverter, ou mesmo conter, o aquecimento global (LD 44 / 52)

Por isso, mesmo re-forçando o empenho pessoal em novas práticas ecológicas, acentua que depende das políticas nacionais e globais uma possível amenização das consequência trágicas do Aquecimento Global (LD 59)

Mesmo assim, desafia os cristãos, as religiões, as pessoas de boa vontade a se empenharem no que é possível aqui e agora (LD 61)

Comento esse texto no dia de São Francisco, aqui às margens do Rio São Francisco, no dia que começa o Sínodo sobre Sinodalidade em Roma, quando as manchetes dos meios de comunicação falam da seca do maior rio do mundo, o Amazonas, da morte de seus peixes, de seus botos, do sofrimento da população amazônida que não está encontrando água potável para beber.

Que a Mãe Terra seja mais generosa para conosco do que nós somos para com ela.

Com as bençãos de São Francisco.

Os paradoxos da transição energética brasileira

Roberto Malvezzi (Gogó)

Os combustíveis fósseis são a causa fundamental do aumento de CO2 na atmosfera, produzindo o efeito estufa. A queima de florestas também emite CO2. O metano, menos presente na atmosfera, porém com mais poder de estufa, é emitido pelos gases da digestão dos animais. Daí a grande contribuição brasileira com seus 210 milhões de cabeças de gado bovino. Ainda mais, o Brasil vai explorar o petróleo na foz do Amazonas em nome da própria transição energética.

Entretanto, para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, é necessário mudar a matriz energética global para fontes que não emitam CO2 na atmosfera. O Brasil, pela intensidade do sol e dos ventos, o Brasil torna-se um dos países mais ricos do mundo nessa transição energética que emita menos CO2. Não quer dizer que sejam limpas totalmente, mas não emitem esse gás, portanto, ataca a causa fundamental das mudanças climáticas.

A região mais rica em sol e ventos do Brasil é o Nordeste. Então, há enormes investimentos em parques eólicos e solares na região. Porém, se não há impacto na atmosfera, há enormes impactos nas comunidades locais, como invasão de território, destruição de topos de morros com seus mananciais, derrubada da Caatinga pelas usinas solares, zumbido das pás de ventos afastando animais e prejudicando pessoas, além do transtorno fundamental da perda de terras e territórios para essas empresas por parte das comunidades tradicionais como os Fundos de Pasto, Quilombolas, Territórios Indígenas e pequenos camponeses difusos pela Caatinga.

O propósito fundamental – além de gerar energia solar e eólica no conjunto do leque de energias brasileiras -, é gerar o Hidrogênio Verde. Esse combustível é simples de entender: o hidrogênio é o elemento mais abundante no Universo, mas na Terra ele sempre está associado a outros elementos. Por exemplo, na molécula de água (H2O), há dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. Para capturar só o hidrogênio da água, é preciso separar os dois átomos de hidrogênio do átomo de oxigênio, por um processo chamado hidrólise. Acontece que para fazer essa separação é preciso muita energia. Então, se a fonte dessa energia for combustível fóssil, continua a emissão de CO2 na atmosfera. Portanto, a fonte de energia para separar os átomos de Hidrogênio Verde tem que ser a solar ou a eólica.

Se a fonte da energia for suja, como o petróleo, e o CO2 for emitido na atmosfera, então esse hidrogênio se chama Hidrogênio Cinza. Se o CO2 for capturado e preso debaixo da terra, então esse hidrogênio se chama Hidrogênio Azul. Se esse hidrogênio vier de fontes limpas, como a solar e a eólica, lhe dão o nome de Hidrogênio Verde.

Esse Hidrogênio Verde pode ser vendido em bombas de gasolina como qualquer combustível e, ao ser queimado, nos dizem os cientistas, se transforma em vapor de água. Portanto, não emite CO2 na atmosfera e nem desequilibra o volume de água do nosso planeta, já que a fonte principal do Hidrogênio Verde seria a água, tendo como energias básicas para sua produção a energia solar e a eólica. O impacto do Hidrogênio Verde nos mananciais de água não está sendo analisado.

Esse combustível seria principalmente para a Europa, que é muito pobre em termos energéticos. Portanto, o Brasil seria uma espécie de “Arábia Saudita” desse tipo de combustível, o que infla os olhos do capital.

Para o Brasil, o futuro seria o carro elétrico, já que, com a abundância de energia solar e eólica, não teríamos problemas para abastecer as baterias desses carros. Tanto é que, na Bahia, já está sendo instalada a primeira fábrica de carros elétricos do Brasil. O impacto da exploração minerária para fabricar essas baterias, principalmente o lítio, também não está sendo discutido.

Enfim, a lógica é perfeita e letal. Não há perguntas sobre a situação das comunidades invadidas por esses empreendimentos, o impacto nas águas do Semiárido, nem se discute se é possível trilhar outros caminhos, como o transporte público, ou menor consumo de energia, ou se essa energia poderia ser produzida de forma descentralizada, a partir das casas do povo e das pequenas e médias usinas nas comunidades rurais. Essas experiências existem e são exitosas. Entretanto, o que há é um novo mercado de combustível em gestação e o capital, que um dia já privatizou a terra e a água, agora já se apropria dos ventos e do sol.

A DÍVIDA DE LULA COM A REVITALIZAÇÃO DO SÃO FRANCISCO

Roberto Malvezzi (Gogó)

“O Belo Chico nasce das lágrimas de uma índia

  Descendo a Depressão Sertaneja

  Contornando as ilhas”

  (Lágrimas de Iati, CD BELO CHICO / Targino, Nilton e Gogó)

À medida que a Transposição do Rio São Francisco foi sendo concluída, um profundo silêncio caiu novamente sobre a situação do grande rio. Afinal, o objetivo principal da obra foi atingido, isto é, destinar cerca de 70% das águas para finalidade de irrigação, cerca de 26% para os centros urbanos e 4% para a população rural difusa.

Hoje, segundo dados oficiais, o chamado Eixo Norte transporta 16,4 m3/s para o Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte e o Eixo Leste 10,00 m3/s para a Paraíba e Pernambuco. É bom lembrar que foram projetados para transportar 127 m3/s no total. Como dizíamos no início das obras, “vão projetar um canhão para matar um mosquito”.

Hoje 98% das obras já estariam concluídas e teriam sido gastos 14 bilhões de reais, quando foi projetado o custo inicial de cinco bilhões de reais. Esse dinheiro é insignificante para um orçamento brasileiro da ordem cinco trilhões de reais para 2023, caso visasse mesmo resolver os problemas básicos das populações mais necessitadas do Semiárido, isto é, a população rural difusa.

Ainda hoje o problema institucional-administrativo da obra apresenta desafios não solucionados. O custo anual para a manutenção da obra para o ano de 2023 está estimado em 274 milhões de reais, mas os Estados receptores ainda não aceitaram assinar os termos de compromisso com o governo federal. Enfim, chegou a hora de alguém pagar a conta.

Estamos atravessando alguns anos de chuvas abundantes no vale do São Francisco, mas a projeção climatológica para os próximos anos é de intensificação do El Niño. Para a região significa ondas maiores de calor, diminuição no regime das chuvas, portanto, período de deplecionamento das águas do São Francisco. É nesses momentos que situação do rio mostra toda sua fragilidade, ou como diz o ditado popular, mostra sua cara. É um ciclo natural, mas que agora se agrava pela situação degradada do São Francisco e pelas mudanças climáticas.

A região Semiárida mudou muito nos últimos anos, pautada pela iniciativa da sociedade civil no Paradigma da Convivência com o Semiárido, tendo a captação da água de chuva em pequenos reservatórios para abastecer as necessidades básicas das famílias como sua prioridade. Várias políticas públicas da era Lula-Dilma também impactaram positivamente a vida das populações. Foram construídas mais de um milhão de cisternas de captação de água de chuva para abastecer cada família no local que ela estiver, além de mais 200 mil replicações de outras tecnologias sociais destinadas à captação da água de chuva para a finalidade de produção agrícola e dessedentação dos animais. Essas iniciativas, também apoiadas pelos governos Lula e Dilma, é que fizeram a diferença para a vida real do povo difuso pelo semiárido, ela que estava como a grande vítima das secas na arte de Luiz Gonzaga, Graciliano Ramos, Cândido Portinari, João Cabral de Melo Neto e tantos outros renomados artistas brasileiros da região Nordeste. Não há mais a fome e a sede de antigamente, já não há migrações intensas para o Sul e Sudeste, já não se fala mais em saques e a mortalidade infantil por fome e sede hoje está em 16 por mil, isto é, muito próxima dos padrões internacionais aceitos pela ONU.

Entretanto, o Estado Brasileiro continua com uma dívida profunda com o rio São Francisco e a população do Semiárido, isto é, a revitalização da bacia do São Francisco nunca veio e, se veio, ninguém consegue ver. Mesmo obras fundamentais de saneamento básico – a moeda de troca oferecida a troco da Transposição à população do São Francisco – continua inconclusa na maior parte dos municípios. Porém, uma profunda revitalização exige uma moratória nas grandes obras, recomposição florestal em toda a bacia, proteção das áreas de recarga dos aquíferos Urucuia e Bambuí, a demarcação dos territórios indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, descomissionamento das barragens de rejeito ao longo do vale, na forma como propõe a Articulação Popular São Francisco Vivo.

No município de Remanso-BA, por exemplo, três adutoras para abastecer 28 comunidades estão inconclusas até hoje, mesmo tendo 95% das obras já concluídas. Abastecer a população ribeirinha do São Francisco era um dos compromissos do governo Lula quando das negociações, fruto do embate com a sociedade civil para evitarmos a Transposição naqueles moldes e aplicar o dinheiro em pequenas e médias adutoras, além de replicar aos milhões as pequenas obras do Paradigma da Convivência com o Semiárido.

Uma nova fronteira que se abre é a batalha pelo reconhecimento dos direitos da natureza, e nesse contexto, pelos direitos do Rio São Francisco. A Articulação Popular São Francisco Vivo começa a pleitear e construir esses direitos.

Sim, avançamos em parte, até mesmo a Transposição cumpre um papel relativo no abastecimento de populações urbanas, mas estamos longe de revitalizar o rio e abastecer de forma mais segura toda a população do Semiárido Brasileiro. Vida que segue, luta que continua.

A energia solar aqui em casa

Roberto Malvezzi (Gogó)
A energia solar no Brasil representa apenas 2% de nossa matriz energética. A eólica avançou mais e ocupa 10%. No geral, as chamadas energias limpas correspondem a 46% de nosso repertório e as ditas sujas 54%. Se as limpas não são totalmente limpas – e não são – ao menos são muito melhores que hidrelétricas – consideradas limpas – que devastam o ambiente e comunidades, melhor ainda que as atômicas que deixam lixo radiativo para as gerações futuras.
Entretanto, o potencial das limpas é quase infinito. Vou dar um exemplo caseiro, como o Fórum de Mudanças Climáticas sonha para todo território brasileiro.
Aqui em casa colocamos 18 placas de energia solar. Nossa conta girava em torno de R$ 700,00 ao mês. Hoje deveríamos estar pagando mais de mil reais mensalmente. Entretanto, a relação mudou totalmente. Hoje nossa conta de luz é de R$ 33,00 (trinta e três reais). O investimento que julgávamos levar quatro anos para pagar, será pago em dois anos. E aqui em casa tudo é elétrico: chuveiros, ar condicionado, máquina de lavar roupa, máquina de lavar louça, forno elétrico, microondas, air fryer, tv, computadores, lâmpada e sei lá mais o que.
Um bom programa de energia solar descentralizada, com incentivos fiscais, beneficiaria a maioria da população brasileira e ajudaria – e muito – na geração de energia para abastecer o sistema total. E se o governo comprasse o excedente ajudaria na renda das famílias mais pobres, substituindo os programas de distribuição de renda. Mas, é claro, isso não pode ser. O modelo capitalista que gerencia nossas energias exige que ela seja centralizada e lucrativa para as empresas. O objetivo é gerar mercado, não abastecer a população e as demandas produtivas.
Ainda mais, nesses dez meses de uso da energia solar, o aplicativo do sistema informa que geramos em casa 7406.3 KWH, que reduzimos a emissão de 7384.1 kg de CO2 na atmosfera, que evitamos queimar 2962.5Kg de carvão e poupamos a derrubada de 407 árvores.
Pela poupança de custos e pela contribuição ao ambiente, parece de bom tamanho.

O pão que Bolsonaro amassou

Roberto Malvezzi (Gogó)

As Pastorais do Campo sabem muito bem por qual razão o governo federal colocou um jagunço armado em homenagem ao Dia do Agricultor. Porque é assim que o agronegócio trata quem lhe atravessa pela frente, seja posseiro, quilombola, índio ou pequeno agricultor. Nossas estatísticas de assassinatos e conflitos no campo, registrados desde 1985, são também um retrato da violência contra o povo do campo por quem é pop, tech e fogo.

Informações atuais dizem que o agronegócio brasileiro produz comida suficiente para alimentar 1,6 bilhão de pessoas no mundo. Os números são um espanto!

Entretanto, outras informações nos dizem que o Brasil atual tem 110 milhões de pessoas em insegurança alimentar, isto é, não sabem se comem a cada dia e não têm garantia de ter os nutrientes necessários para alimentar uma pessoa. Pior, 26 milhões estariam na miséria absoluta, situação de fome.

Esse é o Brasil dos ufanistas e esse é o Brasil real. Facilmente se esconde a realidade trágica de milhões de famílias atrás de estatísticas e números, mesmo que outros números digam exatamente o contrário do que alardeiam.

Matérias de jornal dizem que o povo faz filas para comprar um osso no Mato Grosso, onde existem dez cabeças de vaca para cada ser humano. Mas, que nada, não existe paradoxo e estamos felizes nessa ilha de prosperidade chamada Brasil.

Fui ver o IDH de Cuba comparado ao Brasil. Pois bem, a ilha tem um Índice de Desenvolvimento Humano (0,783 em 2019) superior ao do Brasil (0,765 em 2019). E o IDH é um índice formulado pela ONU. Até a Renda per Capita de Cuba, pasmem, é superior à Brasileira: 8.821,82 USD (2018) de Cuba e a do Brasil 8.717,19 USD (2019). O problema é que lá essa renda é melhor distribuída e no Brasil ela é concentrada.

Então, a tal ilha comunista, pobre, que dizem miserável, tem educação, longevidade e renda per capta superior a essa maravilha capitalista chamada Brasil. Uruguai, Argentina e Chile também estão melhores que o Brasil em seu IDH.

O fato é que a fome voltou ao Brasil com a voracidade de séculos passados, para desespero de Dom Hélder Câmara, Betinho, Josué de Castro e nosso também.

Estamos comendo o pão que Bolsonaro amassou e não amassou sozinho.

Quando a paróquia vira um inferno!

Roberto Malvezzi (Gogó)

Um dos demônios alimentados pelos fundamentalistas religiosos é que nos países comunistas não há liberdade religiosa. Lá seriam proibidas missas, celebrações, procissões, assim por diante. Aqui, no Brasil, muito pelo contrário, a liberdade religiosa é total e completa.

Talvez, se fôssemos perguntar aos terreiros de candomblé e outras expressões religiosas de origem africana, eles nos diriam que nem sempre têm liberdade religiosa. Antigamente a Igreja Católica se sentia no direito de perseguir os cultos afros no Brasil, até pichados como coisas do demônio. Na verdade, foi um comunista chamado Jorge Amado que introduziu na Constituição Brasileira de 1946 a liberdade religiosa para os cultos afros. Hoje, muitos pastores e igrejas evangélicas se sentem no direito de perseguir os cultos afros.

O mesmo com os povos indígenas. Como me dizia um jovem indígena num dos preparativos do Sínodo para a Amazônia: “o pastor vai lá na tribo, a gente o acolhe bem, ele diz que nossa religião é coisa do demônio. A gente escuta, quando ele vai embora, a gente faz os nossos ritos”.

Mas, alguma coisa de pior está acontecendo. A Paróquia da Paz, em Fortaleza, está sendo invadida por “católicos” durante as celebrações, que se sentem no direito de berrar, atacar o padre, criar confusão e divisão durante a própria celebração da Eucaristia. Não são os perseguidores dos cultos afros e nem dos índios, são católicos, os que se julgam verdadeiros intérpretes do Evangelho e da doutrina da Igreja Católica. Não são comunistas, muito ao contrário, são militares, defensores da pátria, da família, dos “Deus acima de todos”, inclusive da liberdade religiosa. Enfim, são os bolsonaristas, os fascistas de estilo brasileiro.

Assim será se permitirmos que se instale no Brasil uma ditadura religiosa, uma teocracia, sempre a pior de todas as ditaduras, porque feitas em nome de Deus, ou o tal do “cristofascismo”. Sei lá o que quer dizer “terrivelmente evangélico”, ou “terrivelmente católico”, o certo é que que estas pessoas se sentem no direito de infernizar a vida dos outros, de ofender o Papa Francisco, ofender padres, bispos e leigos que tem um mínimo de fidelidade ao Evangelho. Enfim, querem impor suas ideias religiosas ao resto do país na estupidez e brutalidade.

Ou esse país acorda, ou até nossas paróquias e comunidades vão se tornar um inferno.

Toda solidariedade aos padres Lino, Ermanno e Luís Sartorel, italianos no Brasil, nossos amigos desde a década de 80, que saíram do conforto do primeiro mundo para estar a serviço dos setores mais descartados da sociedade brasileira.

O que o período Bolsonaro pode nos ensinar?

Roberto Malvezzi (Gogó)

Em primeiro, um alerta aos ingênuos e mal-intencionados: quem muito fala de corrupção pode ser tão ou mais corrupto que aqueles que denuncia. Falamos de corrupção no sentido amplo, “cor ruptum”, coração rompido. Prestem atenção em Moro, Dallagnol e Bolsonaro.

Segundo, a pior das democracias sempre é melhor que qualquer ditadura. Se a ilusão com as ditaduras for derrotada nesse momento, será um grande saldo positivo dessa tragédia.

Terceiro, boa parte dos militares que foi ao poder logo mostrou toda sua ganância por propinas e corrupção. Que se acabe de uma vez por todas o mito que militar é sinônimo de incorruptibilidade. Bolsonaro é o ícone maior dessa ilusão.

Quarto, todas as vezes que os militares saíram de sua tarefa constitucional e foram para a política, foi uma tragédia nacional. Dessa vez não foi diferente. No poder político, muitos se mostraram eticamente falhos, politicamente comprometidos com ditaduras, e tecnicamente uma lástima, como é o caso do especialista em logística. Quem sabe dessa vez os militares aprendam que não têm que se meter em política.

Quinto, a elite só é contra a corrupção dos pobres, não contra a própria. Em outras palavras, a corrupção também é propriedade privada das elites. Aqueles que querem mudar esse país também devem aprender essa lição.

Sexto, a destruição do Estado Brasileiro é, na verdade, um ataque aos bens comuns, é a destruição de uma legislação que garante direitos básicos à população e a proteção do ambiente. A elite nunca erra seu voto e sempre promove a luta de sua classe, sempre protege seus interesses, por mais mesquinhos e nefastos que sejam.

Sétimo, dessa vez não conseguiram corromper e cooptar todas as instituições brasileiras de peso. A Lava-Jato mexeu nos brios do Supremo, alguns que pediram ditadura e tortura foram presos, espalhadores de fake News andam bem menos aguerridos. Como já se dizia antes, fascista só é corajoso enquanto está protegido. Depois, todos são covardes.

Oitavo, a religião pode ser manipulada para qualquer lado. Esses pastores, padres, bispos, leigos, defensores da família, dos bons costumes, da pátria, são o exemplo da religião cooptada e servil aos interesses dos poderosos e de seus chefes. A crítica das religiões como ópio do povo deve ser retomada, aprofundada e popularizada. Louvemos todos os setores eclesiais que ajudaram a fazer essa resistência positiva contra o pior governo de nossa história.

Nono, estamos sendo salvos pelas vacinas. Infelizmente, famílias como a minha, mais de 500 mil, perderam seus entes queridos para o Covid19, graças a uma campanha sistemática de descredibilização das vacinas, da ciência e a corrupção na compra das vacinas. Os fundamentalistas, tanto os religiosos como os do mercado, têm que ser combatidos permanentemente.

Décimo, enfim, estamos do lado certo da história. Com todos aqueles que resistiram a essa tragédia, sairemos desse pesadelo mais pobres, mais machucados, mais mortos, porém, com a consciência limpa que não temos as mãos mergulhadas nesse mar de sangue.

A INOVAÇÃO DAS CANDIDATURAS COLETIVAS

Roberto Malvezzi (Gogó)

As candidaturas coletivas surgem como um novo mecanismo eleitoral, de origem popular, ainda não legalizado, mas que estarão muito presentes nessas eleições municipais e devem ganhar o território nacional daqui para frente. Não é um instrumento legal de candidaturas, mas os grupos conseguem driblar as exigências da lei com muita criatividade, sem ferir a legalidade ou cometer algum tipo de crime.

O mecanismo reúne pessoas que defendem uma pauta comum, ou várias pautas comuns. Então, o CPF de um ou de uma das candidatas vai ao processo eleitoral, conforme as regras legais. Legalmente é o dono (a) do CPF que pode se eleger, mas é o coletivo que vai pensar os temas, a campanha e que vai posteriormente agir na Câmara de Vereadores. Ainda mais, as que conheci vão dividir o salário, o gabinete, o tempo de fala nas plenárias e ainda com seus assessores.

Aqui na região as candidaturas coletivas têm pautado temas como saneamento ambiental, educação, saúde, direitos das populações LGBTs, inclusão dos direitos da natureza nas leis municipais, segurança etc. Há tempos as candidaturas burocráticas não debatem esses temas.

A vantagens iniciais que se pode perceber são várias: retomam pautas de interesse popular; as ou os candidatos defendem essas pautas até por razões de interesse; formam um coletivo para pensar e agir; debatem com as comunidades; não fazem do cargo um cabide de emprego, até porque ninguém conseguirá viver com um salário tão dividido; por fim, pessoalmente consegui ver em algumas dessas candidaturas uma verdadeira retomada do trabalho de base.

O grupo “Direitos da Natureza” fez um debate online nacional sobre a inclusão dessa questão nas Lei Orgânica dos municípios. O interessante foi que grande parte dos candidatos participantes tinham esse viés de candidatura coletiva.

Talvez seja a reação a uma burocratização das eleições, dos candidatos e seus mandatos. Mas, pode ser muito mais, pode ser o novo horizonte da participação do povo nas eleições, não só com o voto, mas pautando suas demandas e necessidades através de grupos que se colocam no processo eleitoral para defender seus interesses. As eleições municipais desse ano podem ser um bom começo, mas quem sabe os mandatos coletivos possam se espalhar por todo país também nas eleições de deputados e senadores.

A poiesis na obra do Papa Francisco

Roberto Malvezzi (Gogó)

Muitas pessoas – como eu – ficam surpresas com a constante recorrência à poesia nas obras do Papa Francisco. Laudato Si’ já é uma obra também poética, até porque São Francisco era um santo, um místico e também um poeta. Porém, nas últimas obras, como a Querida Amazônia e Fratelli Tutti, essa recorrência não só é explícita, como ainda passa pela justificativa que esses poetas são profetas e que necessitamos de novas linguagens para escapar da sociedade tecnocrática e consumista (no. 46)

A poesia não é usual na linguagem oficial do Vaticano. Porém, esse gênero literário está na Bíblia, como nos salmos, no Cântico dos Cânticos, mas também na linguagem teológica profundamente poética de São João, ou da Escola Joanina. O capítulo I do Evangelho de São João é, para meu gosto, a mais bela página da bíblia, porque é a síntese do maravilhoso projeto de Deus para toda sua Criação, o lugar de Jesus como ponte entre a criação e o Criador, mas também porque recorre à metáforas lindas de luz e trevas, alfa e ômega, princípio e fim, assim por diante.

Então, na Fratelli Tutti Francisco mais uma vez recorre à poesia para escrever seus textos. A citação da frase de Vinícius de Moraes – “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida” (215) -, não é uma citação a esmo, mas fundamenta toda a reflexão de vários tipos de encontro, com outras culturas, com a paz, com pessoas, com Deus, entre as religiões, outras civilizações, numa lista quase infinita.

Já na Querida Amazônia, Francisco se baseia na linguagem poética dos sonhos. Quando Francisco fala do “sonho ecológico”, ele cita longamente Vinícius de Moraes, Neruda, Thiago de Mello, Galeano (43-48) e – surpresas das surpresas para mim – Euclides da Cunha. Sim, o famoso jornalista não só escreveu sobre a guerra de Canudos, mas também sobre a Amazônia.

Nos discursos feitos aos Movimentos Populares, Francisco vai dizer que eles são “poetas sociais”, por arrancarem do nada vida digna para o povo. Talvez a forma mais precisa de elogiar a importância desses movimentos.

De resto, praticamente só os grandes místicos usaram da linguagem poética na história da Igreja, à exemplo de Teresa D’Ávida e João da Cruz. Veio deles a metáfora da “noite escura”, quando a alma humana não consegue enxergar um palmo diante do nariz, mesmo assim confia na escura luz da fé. Não podemos esquecer a poética popular, principalmente em regiões como o Nordeste do Brasil, onde o cordel sempre foi uma fantástica linguagem teológica também do povo. 

Foi Pedro Casaldáliga – se alguém souber de outro, me desminta – quem trouxe a metáfora da noite escura para o âmbito socio-ambiental-político, com sua frase “a longa noite escura do neoliberalismo”. Já não me lembro onde foi que ele disse ou escreveu isso. Pedro também foi poeta, místico, profeta e citado na Querida Amazônia.

Então, os sonhos de Francisco aparecem em linguagem poética e aberta. Ela pressupõe interpretação e discernimento. Também indica o ponto onde sonhamos chegar, como que escapando dos pesadelos atuais para um futuro mais digno da criação e, no conjunto das criaturas, o ser humano.

Mais uma vez, longa vida ao Papa Francisco, com muita poesia.

O presidente “primus inter pares”

Roberto Malvezzi (Gogó)

Um presidente que reúne os piores índices de governo de todos os tempos, realmente ele é um “primus inter pares”, como disse de si mesmo. Vamos citar apenas alguns exemplos:

Pandemia: mais de 4 milhões de contaminados no Brasil, cerca de 130 mil óbitos. Pior só os Estados Unidos, talvez sejamos superados pela Índia em números absolutos. Um genocídio.

Economia: a riqueza total brasileira recuou para os patamares de 2009, isto é, com dois anos de Temer e dois do atual presidente, a economia brasileira recuou 11 anos.

Dívida Pública: verdadeiro ralo da economia nacional, chegou a R$ 6,2 trilhões, cerca 85% de toda riqueza nacional. Não há quem sustente essa chupa-cabra.

Desemprego: mais de 50% dos brasileiros em idade de trabalho estão desempregados ou subempregados. Com Lula o desemprego chegou a 4%, com Dilma a 7%, com Golpista a 12%, com o atual a 13,7% nesse Setembro de 2020.

Empresas: 700 mil fecharam as portas, a maioria de pequeno porte. Mas, é bom lembrar que a Lava-Jato já dera um golpe mortal em empresas como a Odebrecht e OAS, sem falar na entrega da EMBRAER e da PETROBRÁS.

Dólar: Hoje a câmbio de R$ 5,30, encareceu todos os produtos eletrônicos importados. É bom lembrar que celular e computador hoje em dia não são luxos, mas instrumentos de trabalho praticamente de todos os brasileiros, inclusive dos uberizados.

Gasolina: Sempre próxima de R$ 5,00 ao litro. O Brasil refinava sua gasolina e seu diesel, agora importa dos Estados Unidos.

Arroz: Chega a R$ 8,00 um kg de arroz, sobe o material de construção, inflação na cesta básica. Certos jornalistas dizem que isso “não é inflação”. Não é para quem?

Amazônia: piores índices de queimadas na Amazônia e Pantanal, resultado do incentivo ao desmatamento, à mineração e o desprezo pelos biomas brasileiros. Na Amazônia voltamos aos índices de desmatamento de 2004, no Pantanal queimadas aumentaram 240%.

Índios: verdadeira dizimação, voltando aos tempos de Borba Gato, Domingos Jorge Velho, outros bandeirantes e coronéis. Mais de 700 óbitos.

Hipocrisia moral: pastores presos, pastoras envolvidas em assassinato, padre envolvido em desvio de dinheiro, pastor com seus “guardiões” contra a imprensa, rachadinha por todo lado, cheques, micheques, milicianos, favorecimento escancarado de mordomias para generais, juízes e parlamentares, enfim, um festival de gente hipócrita abanando o rabo. Em comum, todos são todos homens e mulheres de bem, defensores da família, devotos da família do homem no poder. 

Enfim, o fracasso desse governo é exatamente onde dizia que iria acertar: economia encolheu, desemprego aumentou, vidas foram ceifadas e, sobretudo, sobretudo, sobretudo, honestidade moral não passa de uma enorme hipocrisia. Entretanto, ele é apenas o ventríloquo de todos os interesses nacionais e internacionais que o sustentam. Nosso fracasso é o sucesso dele. ´

Está na hora de relembrar o slogan bíblico desse presidente: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8,32).